19/05/2021
17/05/2021
testando
Tô entrando nesse universo fabuloso e (pra mim) misterioso dos sites de fics.
Testei alguns:
🔹Nyah Fanfiction: Interface* bem ruinzinha. Creio que não vou ficar com ele.
🔹Whattpad: Muito amorzinho, interface boa, achei alguns amigos conhecidos (o que já é uma vantagem). Vou ficar com ele certo.
🔹Spirit: Interface boa. Vou decidir se fico ou não com ele depois.
🔹AO3: Vou ter que esperar uns dias pra receber o convite.
* Lembrando que interface não diz respeito só a aparência, não lida só com questões de "bonito" e "feio". Numa máquina de lavar, por exemplo, o painel com os botões são parte da interface. Se é difícil de entender como usar os botões, se os botões são duros de mexer, se eles caem do painel na mão da gente (caso real), se as palavras e símbolos são ilegíveis, tudo isso são questões que diz respeito à interface. E sim, se o painel é bonito ou feio, se a máquina parece um o modelo ultrapassado, vintage ou moderninho, isso também faz parte. Não que isso seja do interesse de alguém, mas me deu vontade de falar nisso.
02/05/2021
01/05/2021
Perotá Chingó
Eu sou completamente apaixonado por esse grupo, o Perotá Chingó. Eu tive o prazer de assistir ao show delas no Teatro São Pedro, em Porto Alegre.
Essa música me toca especialmente porque na época que eu ouvi a primeira vez eu era apaixonado por un chinito de ojos morochos... pero el chino se reía sin mi.
No momento tô ouvindo sem parar essas aqui:
PS: Paloma Negra é da Chavela Vargas
11/03/2021
ibagens 2
Pronto, troquei todas as imagens antigas que eu tinha tirado do cu do Gógol por imagens de uso público. Agora só falta o ouroboros do cabeçalho, que eu tô desconfiando que não é de algum alquimista morto séculos atrás, é de uma pessoa viva. Vou dar um jeito logo.
PS: vou dar um jeito de usar uma imagem free ou de desenhar eu mesmo NÃO EU NÃO QUIS DIZER QUE EU IA MATAR A ILUSTRADORA
Update: Segundo o TinEye o ouroboros que eu usei no cabeçalho foi postado pela primeira vez em 2013 num um site de tatuagens que não existe mais, então foda-se vou deixar assim. #vidaloka
medium
Então, seguindo umas dicas, resolvi experimentar o Medium.
Acabei de publicar o conto Alcateia lá.
Eu acho o Blogspot super gostosinho, mas o Medium talvez tenha uma legibilidade melhor.
PS: até agora eu tenho essa impressão...
🔹blogspot = vintage, nostálgico, intimista (eu sinto que tô em casa tomando chá e batendo papo com os leitores)
🔹medium = moderno, contemporâneo, profissional (eu sinto que tô apresentando o texto como num portfólio)
03/03/2021
A CIDADE MORTA - parte 7 de 7
Raul cobre Jean, que está deitado no sofá, com um lençol remendado. Este está de olhos abertos, calado e com aparência de cansado. Raul passa pelo vaso e pelo calendário e vai até o cômodo ao lado, uma cozinha praticamente vazia, e encosta a porta.
“A gente sabe que ele não pode dormir, mas acho que ele precisa do apoio psicológico da ideia do cobertor”
“Com certeza, principalmente se ele é um recém-chegado. Mas então, continuando, você desvendou o mistério?”
“Hm. Sim e não. Mais não do que sim.”
Makeba se senta num banquinho, com a corrente e a joia curativa ainda na mão. Raul se encosta na parede.
“Acho que a gente tá diante de alguém especial. Acho que ele tem poderes, por assim dizer. Ele materializou, ou atraiu, a memória do pai violento dele. A própria casa no morro pode ser uma manifestação.”
“Faz muito sentido”
“E a criatura-manto… Eu acho que ela se precisa desse poder dele pra ganhar corporeidade e dar sequência à sua própria agenda”.
“É algo contra o qual nós nunca lidamos antes”
“Sim. Eu já vi poltergeists, obsessores, diabretes, mas isso é território novo.”
“E o que a gente vai fazer agora?”
“Bem, eu não vou sair do lado do Jean. Cedo ou tarde, o manto vai voltar. E eu vou descarregar as seis balas de luz no cu do filhodaputa.”
“Mmm… eu pressinto um certo interesse pessoal nesse caso…”
“Não olha pra mim assim, Makeba, eu perguntei pro Jean e ele tinha 22 quando morreu, tá?”
“Ei, cê é que tá projetando suas inseguranças, eu só fiz uma observação...”
Ambos ficam em silêncio, Makeba sorrindo.
Raul fica sério. “Eu gosto dele, ok? De verdade.”
“Eu sei, Raul. Eu percebi.”
Ele abre a porta e vai em direção ao rapaz no sofá. Senta-se numa das pontas e faz cafuné na barba rala de Jean.
“Quando tudo isso acabar, eu vou te levar ao teatro.”
“Mas… as pessoas não vão me odiar? Eu meio que… matei um deles…”
“Nah. Pessoal gente boa. Sempre ajudam os recém-chegados a se adaptarem.”
Jean segura forte na mão de Raul.
“Eu me sinto tão constrangido… por…” o jovem faz um gesto mostrando as cicatrizes dos pulsos.
Raul se senta no sofá e Jean abre espaço para ele.
“Olha, ninguém chega aqui na Cidade sorrindo. Eu bebi meu caminho até aqui. Isso também é uma forma de…”
No silêncio que se segue, o rapaz toma as mãos do homem nas suas. “Eu entendo”.
Eles encostam a testa um no outro e ficam assim por um bom tempo.
Era uma cidade morta. Habitada por pessoas mortas, que tentavam encontrar seu rumo entre prédios mortos numa eterna noite morta.
26/02/2021
pelado
Postar no blogspot é como andar pelado em casa balançando o pau NINGUÉM TA VEN-DÔ NINGUÉM TÁ VEN-DÔ
saudade
Eu sinto saudade desse formato blog. De fuçar em outros blogs de amigos e postar comentários. Acho que não volta mais, a configuração e velocidade das coisas em 2021 é outra... Talvez a gente tenha que esperar as próximas revoluções nas mídias sociais, e ver no que vai dar. De repente essa onda volta, mas meio diferente... Mas tá divertido vir brincar aqui.
declínio
Andei fuçando nos blogs que eu seguia, e percebi que muitos deles cessaram as postagens entre 2013 e 2017. O que será que aconteceu nessa época? Provavelmente a ascensão do Facebook...
PS: Odeio Facebook, odeio.
25/02/2021
A CIDADE MORTA - parte 6 de 7
Eles caminham cerca de uma hora. O rapaz constantemente olha pra trás para ver a Cidade distante. Ela está situada numa planície, cercada de aproximadamente um quilômetro de um gramado morto e algumas trilhas difusas que se cruzam e que deveriam um dia ter sido estradas vivas. Uma fria neblina se deita por toda a região. No caminho, passaram por vários carros mortos e placas de trânsito tortas. A essa distância é possível perceber que a Cidade tem uma forma quase circular, cortada por um riacho de águas negras. Ainda dá pra discernir a cúpula do Teatro, se destacando dos outros prédios cinzentos com a sua pintura rosada desbotada. A penumbra da noite sem fim beija a paisagem, deixando uma tênue iluminação azulada.
A planície é cercada por morros altos, cobertos por uma densa vegetação morta. É muito raro os moradores chegarem naquela distância. Talvez eles tenham saudade das coisas criadas por mãos humanas. Ou talvez eles se sintam mais seguros no ambiente urbano. Ninguém sabe o que se esconde na escuridão abismal além dos montes.
“Porque cê confiou… em mim?” Jean quebra o silêncio.
“Nunsei. Intuição, talvez.”
“A gente tá caminhando faz tempo… e eu não tô cansado… mas eu tenho um instinto de querer sentar, ou tentar respirar fundo…”
“A gente não tem mais corpo. A gente não cansa. Mas nossa mente tá acostumada a se cansar, tendeu?”
“…”
Após mais alguns minutos: “Como cê morreu?”
Raul olha com tamanha secura para seu companheiro de viagem que este percebe que fez uma pergunta que não devia, e baixa o olhar.
Os dois homens seguem sem verbalizar por um quarto de hora até que o rapaz olha para um dos morros e aponta: “minha casa!”
Na lateral do morro coberto por bananeiras de folhagens secas, há um chalé rústico que foi construído apoiado em escoras.
“Isso não é comum por aqui. Nenhuma casa cresce aqui fora.”
O jovem corre por um caminho parcialmente oculto entre as árvores, seguido pelo patrulheiro.
“Está igualzinha como da última vez que eu vi!”
“Não é usual que a casa de uma pessoa específica apareça aqui no mundo dos mortos, tá ligado? Normalmente é tipo um bar fodido que é feito por pedaços de vários bares fodidos. Mas até agora ninguém reconheceu o seu bar, ou…”
Jean ignora completamente seu interlocutor, feliz por estar em casa novamente. Passa veloz pela porta, que estava apenas encostada, se dirigindo direto para o que foi um dia seu quarto.
Raul segue seu protegido com cuidado, atento a algum possível sinal de perigo. Depois do que deve ter sido uma sala de estar, um comprido corredor cheio de portas fechadas e janelões abertos vai até o fundo do chalé. Ele para por um instante numa das aberturas, e vê que estão a uma altura considerável, talvez mais de cem metros. Um oceano de folhas negras se estende até a base do morro. Quando ele entra no quarto, o rapaz está sentado sorrindo na cama, esta apenas com um colchão e sem lençóis. O quarto está quase vazio. Há um cabide torto solitário no roupeiro embutido e um abajur sem lâmpada na mesinha de cabeceira. Todos os móveis são de madeira, de fabricação rústica, assim como a casa. Na ausência de cadeiras, ele senta, um pouco desconfiado, do lado de Jean.
“Valeu por me salvar… e por acreditar em mim.” Jean levanta o punho para dar um soquinho amigável no braço de Raul.
“Sem problema. É essa mais ou menos a minha função aqui. Ajudar pessoas.”, responde, tentando corresponder o soquinho, mas se atrapalha e termina segurando a mão do outro.
Por uns segundos eles ficam se olhando nos olhos, de mãos dadas. Os olhos claros de Jean são temerosos e suplicantes. Os olhos negros de Raul, tensos e desconfiados. O jovem começa a entrelaçar seus dedos nos do homem, mas acaba afastando a mão, receoso. Num gesto rápido, o patrulheiro segura ambos os braços do rapaz com suas mãos e o beija na boca com intensidade.
Raul vai afrouxando o cinto de Jean enquanto devora o seu corpo com os lábios, enquanto o rapaz se entrega e começa a desabotoar a camisa do seu amante. Por um instante passa pela cabeça do patrulheiro se o que está fazendo é apropriado, pois o rapaz está numa situação frágil. Mas esse pensamento logo vai embora.
Raul vira o corpo de Jean com selvageria e baixa suas calças. Começa a preparar para penetrá-lo enquanto segura seu pescoço por trás.
E, nesse momento, alguém arrebenta a porta do quarto com um chute e entra.
“NA MINHA CASA? UM VIADO NA MINHA CASA?” grita um homem desconhecido com o rosto contorcido de raiva.
Raul instintivamente se levanta e saca a arma.
“MEU PRÓPRIO FILHO, VIADO? EU NÃO TE CRIEI PRA SER UMA BICHA!”
Jean entra em pânico, veste suas calças e sai correndo pela porta, gritando “pai, não!”.
O patrulheiro, com as calças arriadas, aproxima o revólver do rosto do homem enraivecido: “escutaqui, verme”
“VAI EMBORA DA MINHA CASA, TU NÃO ÉS MAIS MEU FILHO” continua o homem, olhando para a cama vazia, como se não percebesse a existência de alguém lhe apontando um 38 nas fuças. Ele então desaparece em pleno ar. E a porta é arrebentada com um chute mais uma vez.
“NA MINHA CASA? UM VIADO NA MINHA CASA?” começa de novo.
Raul fica confuso, ainda apontando a arma.
“MEU PRÓPRIO FILHO, VIADO? EU NÃO TE CRIEI PRA SER UMA BICHA!”
Dá um passo a frente e toca com o cano do revólver na cara do homem. Sua imagem se desvanece como fumaça.
“VAI EMBORA DA MINHA CASA…”
Não era real. Nem mesmo era um morto. Era uma impressão, uma memória. O homem desaparece e porta é arrebentada outra vez, a cena se repetindo como um disco de vinil arranhado.
“NA MINHA CASA?…” novamente, mas mais fraco, mais transparente.
Raul veste as calças, atravessa a aparição que finalmente se dissolve, e vai atrás de Jean.
Vindo lá do fundo do corredor, ele ouve um chôro. A porta do banheiro está fechada. Ele bate na porta e chama o nome do jovem. Este continua em prantos. Decide forçar a porta que, por ser velha, cede fácil. Jean está sentado no chão, os cabelos longos cobrindo o rosto. A blusa está arremangada, ele segura o pulso de um dos braços como se estivesse machucado, dolorido. Logo após, ele faz um gesto com os dedos trêmulos em direção ao outro pulso. Ambos têm cicatrizes de cortes.
Raul abraça o rapaz com cuidado e diz: “Tá tudo bem Jean, era só uma memória. Ele não existe, ele não tá mais aqui. Não pode te machucar.” Jean corresponde o abraço com todas as suas forças e chora desesperado. “Eu vou te proteger, ok? Vambora daqui. Eu já sei o que fazer, vamos voltar pra cidade. Eu tenho uma amiga que vai te ajudar.” Com carinho, o patrulheiro coloca seu casaco nos ombros do jovem e o ajuda a levantar. Quando eles passam pelo corredor, não há mais sequer resquício da projeção. Quando saem da casa, Raul limpa as lágrimas de Jean e dá um leve beijo em seus lábios.
Ambos voltam sem silêncio pelo caminho que percorreram.
planos
Eu tenho já planos pra pelo menos uma sequência de A Cidade Morta. Onde a gente vai descobrir mais sobre as origens do Manto e conhecer outros personagens. Mas também quero colocar no papel umas histórias slice of life sobre adolescentes gays se passando em 2000 e pico. Eu curto fantasia urbana e sobrenatural, mas às vezes eu sinto falta de uma história mais "pé no chão".
sonhos
Lá por 2011 eu tava numa vibe de escrever mini contos adaptados de sonhos que eu tive. Dá pra ver nessa hashtag: sonhos
Embora seja legal (é uma linha mais direta ao subconsciente) e eu tenha aprendido e me divertido muito, pretendo me voltar agora a escrever ficção não necessariamente nem diretamente baseada nessa fonte. Tô sentindo a necessidade de exercitar mais os aspectos conscientes da escrita.
O que, obviamente, não exclui a possibilidade de eu voltar a usar esse recurso.
23/02/2021
A CIDADE MORTA - parte 5 de 7
Raul arrasta o rapaz pelos becos até um lugar que considera seguro e o joga num canto.
“Qual teu nome?”
“nãomemataporfavornãofoiculpaminhanãomematanãomemata”
“Eu perguntei qual. Teu. Nome.”
“…”
Ele se senta numa pilha de tijolos, coloca as mãos nos joelhos e olha para o jovem.
“J-Jean..”
“Muito bem Jean, olha pra mim. Meu nome é Raul, e eu não vou te matar. Tu pode me contar o que aconteceu?”
“E-eu cheguei na cidade há pouco tempo… eu me escondi, tava com medo das pessoas… tenho andado pelos becos… tento n-não incomodar ninguém e então… então eu… eu vi o manto…”
Raul leva a mão ao bolso da camisa, num gesto automático de quem pegaria um cigarro. Existem costumes que não vão embora mesmo após décadas.
“O manto começou a me perseguir, era muito rápido… eu corri, mas ele me alcançou… e começou a me sugar… lá dentro eu enxergava tudo… eram as minhas mãos que estrangulavam aqueles caras… mas eu NÃO QUERIA fazer aquilo, entende? Eu TENTEI mover as mãos pra longe! Eu JURO!”
Os olhos de Jean se enchem novamente de lágrimas.
“Eu acredito em ti, guri. Eu percebi isso quando eu vi vocês dois se separando, depois que eu atirei no manto-coisa-criatura-sei-lá-que-merda-é-aquela. Deixa eu ver se tu tem marcas de tiro”. Raul levanta a camiseta do jovem com um gesto invasivo, e este se mostra visivelmente desconfortável. “Como eu pensei, sem marcas. Isso é um ponto a teu favor. Quando eu atirei em vocês, quem ficou ferido foi ele. Tu não é aquela coisa, o manto é um tipo de parasita que precisa da tua energia pra se preencher, mas quem mata é ele.”
Ambos ficam em silêncio por um tempo. Apesar de não ter grandes dotes de oratória, suas palavras acabaram acalmando o jovem.
“Nunca vi nenhuma criatura como essa na Cidade. Porque ela te escolheu? Será que os ataques seguem um certo padrão? Eram todos homens, idades diferentes, estavam nos becos, talvez perto de banheiros…?” verbaliza para si mesmo.
“E-eu não sei…”
Raul olha para o rapaz, como se por um instante tivesse esquecido de que ele estava ali.
“Vamos pra fora da Cidade. Lá não tem nenhum morador, a coisa não vai poder te fazer atacar alguém. E eu preciso pensar. E esperar recarregar as minhas balas, quero estar com o tambor cheio quando eu encontrar o puto de novo.”
Jean se levanta e olha seu defensor tirar o 38 do casaco e examinar a munição. Suas balas mal eram visíveis. Pareciam vítreas, feitas de luz branca. Faltavam duas.
“Essas balas s-são de vidro? Como tu… conseguiu isso?”
“Isso? Balas que matam mortos. Também vale pra qualquer porra de criatura do mundo dos não-vivos. Pode-se dizer que essa arma foi um presente. Elas recarregam sozinhas após algumas horas. Vem, tem uma saída da Cidade aqui perto.”
21/02/2021
A CIDADE MORTA - parte 4 de 7
O jovem corre sem sequer prestar atenção para onde estava indo, ele queria simplesmente estar longe. Longe do manto, longe da vítima, longe do homem armado. Corre por muito tempo até finalmente tropeçar e cair no chão. Fica ali mesmo, chorando e repetindo “não foi minha culpa, não foi minha culpa!”. Queria poder dormir. Queria poder terminar com aquele pesadelo. Acaba se escondendo entre alguns tijolos, provavelmente de uma casa que estava morrendo e fecha os olhos, ainda movendo os lábios de forma inaudível “não foi minha culpa”.
Algumas horas depois, decide mudar de lugar. Acredita que mantendo-se em movimento não será pego nem pela entidade assassina nem pelo homem do revólver. Poderia até achar a saída da cidade.
Deve ter se passado um dia assim, era difícil contar o tempo, até que ouviu passos ao longe. Sente suas pernas formigando. Olha pra elas e estão ficando transparentes, se dissolvendo em névoa. “De novo não, eu não quero! EU NÃO QUERO!” O manto flutua na sua frente na entrada do beco. Surreal, fantasmagórico, ominoso, dragando toda a bruma para dentro de si.
E, novamente, depois de ter sido completamente sugado, passa a enxergar através do ponto de vista do manto, do ponto de vista do assassino. Lá de dentro ele grita, tenta fugir ou se mover em outra direção, mas é tudo em vão. Desesperado, vê as mãos do encapuzado – suas mãos – perseguirem e começarem a estrangular o pescoço de outro homem, dessa vez um adolescente.
Subitamente, estampidos de tiros e dor. Excruciante dor. O homem armado havia aparecido. O rapaz tem tanto medo dele quanto tem da entidade. Um o quer morto, o outro o quer como um assassino. Mas, por algum motivo, o homem não continua atirando, apenas fica parado, olhando atônito, recitando um amplo leque de palavrões que faria qualquer linguista se doer de inveja.
O jovem sente a já conhecida vertigem, a visão turva, e logo depois volta a ter seu próprio corpo. Ele havia sido expelido pelo manto. Suas pernas ainda estão dormentes e ele grita “pelamordedeus não me mata, não é minha culpa!”
Raul guarda a arma, pega o rapaz pela gola do moleton de forma rude e diz: “eu vi que não foi tua culpa, caralho, agora calaboca e vamos vazar daqui!”
“Não me mata, por favor, não me mata!”
“Eu não vou te matar, cacete, se eu quisesse te matar já tinha matado, agora levanta, porra!”
19/02/2021
Ouroboros
Carl Gustav Jung, Collected Works, Vol. 14
ibagens
Como eu não tô ganhando $ com esse blog (portanto não tenho porque ser processado) eu não vou me preocupar com isso já já, mas provavelmente eu logo estarei trocando (adoro ficar gerundiando) as imagens catadas do Gógol por fotos e desenhos meus.
PS: mas as coisas alquímicas ficam, não creio que o fantasma de um gravurista medieval vai querer me processar, certo pessoal? P-pessoal...?
18/02/2021
A CIDADE MORTA - parte 3 de 7
Embora tecnicamente não se sinta fisicamente cansado e, por consequência, não precise descansar, Raul sente falta de se deitar numa cama e ficar alguns instantes olhando para o teto. Mas nos últimos dias (ou o equivalente a dias, por que a noite… enfim, a essa altura vocês entenderam) ele não pôde se dar ao luxo de fazer isso. Mas conseguiu um tempinho para visitar Makeba.
“Você foi rápido, Raul, chegou a tempo de ver o assassino. Não havia como salvar a vítima.”
“Bosta, eu queria ter chegado mais cedo. E trazido ele pra cá. Talvez tu pudesse salvar ele.”
Ela toca na joia azulada que carrega numa corrente no pescoço.
“Eu posso curar… digo, reestabelecer os mortos… mas nada posso fazer em relação à morte final” Ela diz isso com um tom melancólico, mais pra si própria do que para o amigo.
Raul afunda no sofá desgastado. Eles ficam alguns instantes em silêncio no apartamento quase vazio. Na janela há um vaso de plástico, sem plantas, apenas terra seca. Na parede um calendário de 1978, com os dias marcados com várias cores de caneta (não faz diferença alguma que ano é, mas alguns moradores insistem em contar o tempo).
“Olha… valeu pelo papo. Mas eu vou voltar pra ronda, tá?”
Raul dá um beijinho na testa de Makeba, e ela responde com um sorriso.
Quando ele está na porta, ela diz: “se achar alguma garrafa de cachaça na sua ronda, lembra de mim.”
“Vou lembrar, ainda tô te devendo uma.”
Quando chega na calçada Raul dobra no beco ao lado e passa por trás de vários prédios, ziguezagueando pelo labirinto de corredores, atento a movimentos suspeitos, enquanto sua mente divaga.
Makeba havia chegado na Cidade um pouco depois dele. Como todos os recém-chegados, ela ainda estava lidando com o luto, quando lhe foi concedida a joia azul. E, assim como aconteceu com ele próprio quando ele recebeu a sua arma, isso lhe trouxe um novo objetivo na morte. Agora ela era uma curadora, ela que, em vida, havia sido… - subitamente, os pensamentos de Raul foram interrompidos por um grito de alguém em pânico.
Ele entra em estado de alerta e segue o som. Logo ele chega na frente de um banheiro público quebrado, onde um homem idoso caído no chão se debate, tentando se livrar das mãos do encapuzado ao redor de seu pescoço. Raul desfere dois tiros no agressor, e um deles acerta. Este demonstra que sente dor e larga a vítima, fugindo desabaladamente. “Te peguei, puto”.
Mas ao perseguir sua caça ferida o patrulheiro percebe uma coisa: uma névoa começa a sair de dentro do manto. E em poucos instantes, há uma separação. De um lado o manto sai voando, leve e ágil como uma pluma, e do outro a emanação se condensa na forma de uma pessoa: um jovem de longos cabelos, que se levanta do chão e corre, errático, gritando “fica longe de mim, eu não quero!”. Raul demora um segundo decidindo quem perseguirá, e isso é o suficiente para perder ambos. “Caralho, eu ratiei de novo!”, ele pragueja.
Ele tenta em vão ir atrás do rapaz, e depois decide voltar atrás do sobrevivente. Mas este também não está mais lá. Passa a mão nos cabelos, sempre desalinhados devido a um princípio de calvície que nunca vai progredir nem regredir. “Fudeu, não matei o monstro, nem pude levar esse cara pra Makeba examinar. Bem, pelo menos esse coitado escapou vivo.”
17/02/2021
A CIDADE MORTA - parte 2 de 7
Certa noite (o que é redundante, pois é sempre noite), no Teatro está sendo ensaiado Medeia. A cena que antecede o duplo infanticídio. Raul está num dos corredores laterais, olhando para o palco, com sua pistola antiquada escondida sob o casaco. Todos sabem que ele patrulha por aquelas bandas e se sentem seguros com ele por perto, não há necessidade de ficar ostentando. E ele gosta de assistir os ensaios.
Um longo e torturante grito se faz ouvir, vindo de fora. Os atores param de declamar, confusos. Enquanto alguns membros da plateia se levantam e perguntam sobre o que está acontecendo, Raul sai correndo. Como morador antigo, ele conhece as portas e corredores e brechas entre edifícios, pelo menos na medida que a Cidade e suas constantes modificações permitem. Em instantes ele já está no beco lateral do Teatro, de arma em punho, seguindo o grito que já enfraquece. No momento em que ele chega no mictório do bar ao lado, já é tarde: uma figura vestindo uma túnica cinzenta de monge estrangula um homem gordo, que rapidamente se torna pó. A figura se volta para Raul, e ele vê o que há sob o capuz: sombra, apenas sombra. Ele hesita antes de disparar uma bala contra o encapuzado, e este consegue fugir, ileso. O patrulheiro persegue a criatura pelos becos labirínticos, mas eventualmente é deixado para trás. Ele pragueja e chuta a parede, furioso, e decide voltar.
Alguns dos frequentadores do Teatro estão lá, atônitos, ao redor de um montinho de cinzas que se destaca no chão imundo.
“Raul, o que aconteceu?”
“Caralho, eu cheguei tarde demais! Alguém que parecia, sei lá, um monge… estrangulando um homem!” - diz, apontando para o montinho.
“Ele… o matou?” - pergunta uma Medeia, com a maquiagem cênica borrada. Raul meneia a cabeça.
Faz-se um silêncio pesado. Existem dois temas tabus na Cidade: um é como se morreu no mundo (é algo muito pessoal e é de bom tom esperar a pessoa tocar no assunto); e o outro é quando um morto morre (a morte final é o grande medo de todo morador).
A diretora se aproxima de Raul, levantando sua veste grega para desviar do que foi um dia uma pessoa:
“Você viu quem era?”
“Eu só vi o manto. E dentro, parecia… a porra de uma sombra.”
“Pode ser algum tipo de… criatura?”
“Difícil dizer… faz muito tempo que a Cidade não é atacada por um monstro ou alguma merda assim.”
“Não há muitas coisas capazes de… matar um morto, correto?”
“Exato. Há as balas da minha arma. E eu nunca vi nenhum ser estrangular um morto com as próprias malditas mãos.”
Raul se agacha para examinar as cinzas, a essa hora já se tornando etéreas, como se levadas por um vento que não existe. Depois de alguns instantes coçando a barba, fala para os presentes:
“Galera, parece que tem um filhodaputa matador de mortos na cidade. Eu sugiro que ninguém ande por aí sozinho, em grupos é mais seguro. Eu vou dobrar as rondas pelos becos. Não quero que isso aconteça com mais ninguém, ok? Espalhem isso para os outros. Eu vou fazer de tudo para encher o cu desse desgraçado de bala.”
Todos concordam em silêncio, e se dirigirem de volta ao Teatro, com a diretora da peça delegando quem avisará quem.
Raul fica mais uns minutos olhando os ladrilhos quebrados do chão, com seus olhos fundos e cansados, antes de dizer mais uns três palavrões e ir embora.
15/02/2021
influências
Eu olho meus textos antigos e o texto novo, e consigo ver muito claro a influência dos autores que eu leio: Gaiman, Cortázar, Borges. Me incomoda um pouco, faz eu me sentir um mero copiador, mas acho que é um processo que acontece com todo iniciante. E o único jeito de passar por isso (pelo menos segundo os antropofágicos Tropicalistas e Modernistas que eu tanto amo) é: devorar tudo ao redor (livros, filmes, música, cinema, artes plásticas) e regurgitar (produzir) feito um lunático até que o resultado seja, por fim, o estilo pessoal do autor, seja lá o que isso for, foi, será, terá sido.
PS: a pureza é uma mentira
PPS: okay, eu sinto que o Cidade Morta (o mais recente) tá um pouco mais maduro que os outros
PPPS: mas o Alcatéia é antigo e eu ainda gosto dele
BALINHAS
A CIDADE MORTA - parte 1 de 7
Esse conto foi baseado num sonho que eu tive há algum tempo, em meados de 2017 talvez, que deixou uma impressão muito forte em mim. Normalmente, pelo menos na minha experiência, sonhos são muito malucos e surreais. Quando eles trazem alguma ideia boa para um roteiro, eu preciso “limpar” as partes mais absurdas e inconsistentes. Mas, dessa vez, o sonho veio como um "filme" quase prontinho, sem necessidade de muita adaptação.
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Era uma cidade morta. Habitada por pessoas mortas, que caminhavam sem rumo entre prédios mortos numa eterna noite morta.
A arquitetura é caótica. Casarões tão antigos que talvez tenham presenciado o ocaso da inquisição, lado a lado de edifícios atuais de concreto, testemunhas da vã esperança do progresso neoliberal. Cada vez que um prédio começa a morrer no mundo dos vivos, ele começa a aparecer aqui. O resultado é que a cidade parece ter sido projetada por um urbanista bêbado. E os espaços entre as construções criam um labirinto de passagens estreitas, impossível de mapear, em constante reconstrução.
A qualquer hora, a noite enevoada ilumina fracamente as ruas e fachadas. Nos becos, os cães mortos passeiam entre garrafas mortas de uísque, cartas de amor nunca entregues, brinquedos esquecidos e cigarros jogados fora pela metade. Nos telhados, gatos mortos observam as pessoas lá embaixo, deitados do lado do cachecol de algum suicida ou de uma janela quebrada por uma bala perdida. Nas calçadas, os habitantes perambulam devagar (mortos não tem muitos motivo para se apressar) e em silêncio (mortos não sentem tanta necessidade de manter conversações desnecessárias).
Os mortos não tem mais necessidades humanas. Não é mais preciso comer, dormir ou trabalhar. Mas eles ainda tem hábitos. Muitos vagam a esmo pelas ruas, como uma pantomina do que eles faziam em vida (da casa para o metrô, do metrô para o trabalho). Outros se reúnem no que um dia foram bares, ainda que seja apenas para dividir uma bituca de baseado, ou saborear o restinho de gim numa garrafa que foi encontrada intacta. Essas relíquias valem muito.
Todos aqueles que, em vida, faziam e amavam a arte (qualquer tipo de arte), se reúnem no Teatro. Ninguém sabe que nome ele teve, nem mesmo em que cidade havia sido originalmente construído. Mas como é o único da Cidade e tem características de vários estilos arquitetônicos, alguns moradores desconfiam que seja um pouco de todos os teatros que já morreram. Talvez a cada vez que um teatro no mundo dos vivos seja transformado em um estacionamento ou igreja, o Teatro ganhe mais uma fileira de cadeiras, camarotes e camarins ou apareça mais uma portinhola para um corredor secreto.
Se alguém entrar no Teatro, a qualquer momento da noite sem fim, irá ver pessoas falando baixinho. Alguns em grupinhos nos corredores, outros solitários na plateia (todos devotam uma reverência àquele local e, embora não existam regas escritas, elevar a voz é um desrespeito). O palco costuma ser ocupado por várias trupes vestidas com figurinos incompletos, ensaiando e repassando textos. Dificilmente um texto moderno, são mais comuns peças antigas de civilizações mortas. Ocasionalmente o palco é liberado e usado para uma apresentação em si e, quando acontece, é apenas um trecho da peça, faltando o final ou alguma parte chave para a história. É raro que algum diretor apareça com um texto próprio. Quando isso acontece, é um texto ainda não terminado, que já foi reescrito mil vezes e necessita de mais e mais revisões. Os mortos não são conhecidos por criarem coisas.
Mas todas essas pessoas se reúnem ali. E ali saciam sua fome de contato humano. Pode ser apenas um olhar, uma troca de palavras sussurradas, ou até mesmo a companhia em silêncio.