18/02/2021

A CIDADE MORTA - parte 3 de 7

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        Embora tecnicamente não se sinta fisicamente cansado e, por consequência, não precise descansar, Raul sente falta de se deitar numa cama e ficar alguns instantes olhando para o teto. Mas nos últimos dias (ou o equivalente a dias, por que a noite… enfim, a essa altura vocês entenderam) ele não pôde se dar ao luxo de fazer isso. Mas conseguiu um tempinho para visitar Makeba.

“Você foi rápido, Raul, chegou a tempo de ver o assassino. Não havia como salvar a vítima.”

“Bosta, eu queria ter chegado mais cedo. E trazido ele pra cá. Talvez tu pudesse salvar ele.”

Ela toca na joia azulada que carrega numa corrente no pescoço.

“Eu posso curar… digo, reestabelecer os mortos… mas nada posso fazer em relação à morte final” Ela diz isso com um tom melancólico, mais pra si própria do que para o amigo.

Raul afunda no sofá desgastado. Eles ficam alguns instantes em silêncio no apartamento quase vazio. Na janela há um vaso de plástico, sem plantas, apenas terra seca. Na parede um calendário de 1978, com os dias marcados com várias cores de caneta (não faz diferença alguma que ano é, mas alguns moradores insistem em contar o tempo).

        “Olha… valeu pelo papo. Mas eu vou voltar pra ronda, tá?”

Raul dá um beijinho na testa de Makeba, e ela responde com um sorriso.

Quando ele está na porta, ela diz: “se achar alguma garrafa de cachaça na sua ronda, lembra de mim.”

“Vou lembrar, ainda tô te devendo uma.”

Quando chega na calçada Raul dobra no beco ao lado e passa por trás de vários prédios, ziguezagueando pelo labirinto de corredores, atento a movimentos suspeitos, enquanto sua mente divaga.

Makeba havia chegado na Cidade um pouco depois dele. Como todos os recém-chegados, ela ainda estava lidando com o luto, quando lhe foi concedida a joia azul. E, assim como aconteceu com ele próprio quando ele recebeu a sua arma, isso lhe trouxe um novo objetivo na morte. Agora ela era uma curadora, ela que, em vida, havia sido… - subitamente, os pensamentos de Raul foram interrompidos por um grito de alguém em pânico. 

Ele entra em estado de alerta e segue o som. Logo ele chega na frente de um banheiro público quebrado, onde um homem idoso caído no chão se debate, tentando se livrar das mãos do encapuzado ao redor de seu pescoço. Raul desfere dois tiros no agressor, e um deles acerta. Este demonstra que sente dor e larga a vítima, fugindo desabaladamente. “Te peguei, puto”. 

Mas ao perseguir sua caça ferida o patrulheiro percebe uma coisa: uma névoa começa a sair de dentro do manto. E em poucos instantes, há uma separação. De um lado o manto sai voando, leve e ágil como uma pluma, e do outro a emanação se condensa na forma de uma pessoa: um jovem de longos cabelos, que se levanta do chão e corre, errático, gritando “fica longe de mim, eu não quero!”. Raul demora um segundo decidindo quem perseguirá, e isso é o suficiente para perder ambos. “Caralho, eu ratiei de novo!”, ele pragueja.

Ele tenta em vão ir atrás do rapaz, e depois decide voltar atrás do sobrevivente. Mas este também não está mais lá. Passa a mão nos cabelos, sempre desalinhados devido a um princípio de calvície que nunca vai progredir nem regredir. “Fudeu, não matei o monstro, nem pude levar esse cara pra Makeba examinar. Bem, pelo menos esse coitado escapou vivo.”

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