23/02/2021

A CIDADE MORTA - parte 5 de 7

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        Raul arrasta o rapaz pelos becos até um lugar que considera seguro e o joga num canto. 

“Qual teu nome?”

“nãomemataporfavornãofoiculpaminhanãomematanãomemata”

“Eu perguntei qual. Teu. Nome.”

“…”

Ele se senta numa pilha de tijolos, coloca as mãos nos joelhos e olha para o jovem.

“J-Jean..”

“Muito bem Jean, olha pra mim. Meu nome é Raul, e eu não vou te matar. Tu pode me contar o que aconteceu?”

“E-eu cheguei na cidade há pouco tempo… eu me escondi, tava com medo das pessoas… tenho andado pelos becos… tento n-não incomodar ninguém e então… então eu… eu vi o manto…”

Raul leva a mão ao bolso da camisa, num gesto automático de quem pegaria um cigarro. Existem costumes que não vão embora mesmo após décadas.

“O manto começou a me perseguir, era muito rápido… eu corri, mas ele me alcançou… e começou a me sugar… lá dentro eu enxergava tudo… eram as minhas mãos que estrangulavam aqueles caras… mas eu NÃO QUERIA fazer aquilo, entende? Eu TENTEI mover as mãos pra longe! Eu JURO!”

Os olhos de Jean se enchem novamente de lágrimas. 

“Eu acredito em ti, guri. Eu percebi isso quando eu vi vocês dois se separando, depois que eu atirei no manto-coisa-criatura-sei-lá-que-merda-é-aquela. Deixa eu ver se tu tem marcas de tiro”. Raul levanta a camiseta do jovem com um gesto invasivo, e este se mostra visivelmente desconfortável. “Como eu pensei, sem marcas. Isso é um ponto a teu favor. Quando eu atirei em vocês, quem ficou ferido foi ele. Tu não é aquela coisa, o manto é um tipo de parasita que precisa da tua energia pra se preencher, mas quem mata é ele.” 

Ambos ficam em silêncio por um tempo. Apesar de não ter grandes dotes de oratória, suas palavras acabaram acalmando o jovem.

“Nunca vi nenhuma criatura como essa na Cidade. Porque ela te escolheu? Será que os ataques seguem um certo padrão? Eram todos homens, idades diferentes, estavam nos becos, talvez perto de banheiros…?” verbaliza para si mesmo.

“E-eu não sei…”

Raul olha para o rapaz, como se por um instante tivesse esquecido de que ele estava ali.

“Vamos pra fora da Cidade. Lá não tem nenhum morador, a coisa não vai poder te fazer atacar alguém. E eu preciso pensar. E esperar recarregar as minhas balas, quero estar com o tambor cheio quando eu encontrar o puto de novo.”

Jean se levanta e olha seu defensor tirar o 38 do casaco e examinar a munição. Suas balas mal eram visíveis. Pareciam vítreas, feitas de luz branca. Faltavam duas.

“Essas balas s-são de vidro? Como tu… conseguiu isso?”

“Isso? Balas que matam mortos. Também vale pra qualquer porra de criatura do mundo dos não-vivos. Pode-se dizer que essa arma foi um presente. Elas recarregam sozinhas após algumas horas. Vem, tem uma saída da Cidade aqui perto.”


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